ARTÍCULO ORIGINAL

 

Plantas medicinais no candomblé como elemento de resistência cultural e cuidado à saúde

 

Plantas medicinales en el candomblé como elemento de resistencia cultural y cuidado de la salud

 

Medicinal plants in candomblé as element of cultural resistance and health care

 

Enf. Camila Esmeraldo Paz,I Enf. Izabel Cristina Santiago Lemos,II Lic. Álefe Brito Monteiro,II Enf. Gyllyandeson de Araújo Delmondes,II Dr. George Pimentel Fernandes,II Dr. Henrique Douglas Melo Coutinho,II Dr. Cícero Francisco Bezerra Felipe,III Dr. Irwin Rose Alencar de Menezes,II Dra. Marta Regina KerntopfII

I Secretaría Municipal de Saúde de Assaré.
II Universidade Regional do Cariri (URCA)/Programa de Pós-Graduação em Bioprospecção Molecular (PPBM). Brasil.
III Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB. Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: a medicina popular denota uma constante vinculação com os credos religiosos. No Brasil, ainda são raras as pesquisas que avaliam o grau de utilização das plantas como medicamentos e sua inserção no âmbito religioso.
Objetivos: caracterizar o uso de plantas medicinais pelos integrantes do candomblé, identificando as plantas utilizadas com maior frequência e as patologias costumeiramente tratadas.
Métodos: foram entrevistadas 25 pessoas entre eles “pais” e “mães” de santo e “mães” das folhas. A pesquisa é descritivo-exploratória, de abordagem qualitativa. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista semi-estruturada. Os dados foram analisados a partir da abordagem temática dos discursos.
Resultados: em relação às plantas conhecidas pelos entrevistados foram citadas 29. Entre elas: Alpinia speciosa Schum (84 %);Schinus terebinthifolius Raddi (68 %); Plectranthus amboinicus (Lour.) (60 %); Coleus barbatus Benth (56 %); Ruta graveolens Linn (48 %); Rosmarinus officinalis Linn (40 %); Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf (32 %); Phyllanthus amarus Schum. e Thorn (28 %); Momordica charantia Linn (20 %) e Chamomilla recutita (L.) Rauschert (12 %). Para os entrevistados a utilização de plantas medicinais visa à promoção da saúde e a prevenção e o tratamento de doenças e de agravos diversos, tais como: cefaleia, resfriado comum, problemas gástricos, renais e intestinais, hipertensão, inflamações de um modo geral e vertigem.
Conclusões: o uso de plantas medicinais por líderes do candomblé significa uma renovação de tradições milenares e uma expressão de resistência cultural, ainda que isso represente, de fato, um distanciamento do que hoje é conhecido como assistência convencional em saúde.

Palavras-chave: medicina tradicional, plantas medicinais, religião, ciência.


RESUMEN

Introducción: la medicina popular indica un vínculo constante con los credos religiosos. En Brasil, son pocos los estudios que evalúan el grado de uso de las plantas como medicamentos y su inserción en el ámbito religioso.
Objetivos: caracterizar el uso de plantas medicinales por los miembros del Candomblé.
Métodos:
fueron entrevistadas 25 personas, todos dirigentes del Candomblé ("padres" y "madres" de "santo" y "madres" de las hojas). La investigación tuvo un enfoque cualitativo, descriptivo y exploratorio. Como instrumento de recogida de datos, se utilizó una entrevista semi-estructurada. Los datos fueron analizados mediante el enfoque temático de los discursos.
Resultados: fueron citadas 29 plantas conocidas por los entrevistados. Entre ellas se destacaron: Alpinia speciosa Schum (84 %), Schinus terebinthifolius Raddi (68 %), Plectranthus amboinicus (Lour.) (60 %), Plectranthus barbatus Coleus barbatus Benth (56 %), Ruta graveolens Linn (48 %), Rosmarinus officinalis Linn (40 %), Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf (32 %), Phyllanthus amarus Schum. e Thorn (28 %), Momordica charantia Linn (20 %) e Chamomilla recutita (L.) Rauschert (12 %). Para los encuestados, el uso de plantas medicinales tiene como objetivo promover la salud y la prevención y tratamiento de enfermedades y complicaciones patológicas, tales como: dolor de cabeza, resfriado común, problemas de estómago, problemas renales e intestinales, hipertensión, inflamaciones en general y vértigo.
Conclusiones: el uso de las plantas medicinales por los líderes del Candomblé significa una renovación de las tradiciones ancestrales y una expresión de resistencia cultural, aunque eso signifique un distanciamiento de lo que se conoce como la atención de salud convencional.

Palabras clave: medicina tradicional, plantas medicinales, religión, ciencia.


ABSTRACT

Introduction: folk medicine denotes a steady relation with religious beliefs. In Brazil, few studies evaluate the degree of utilization of plants as medications and its insertion in the religious sphere.
Objectives: to characterize the use of medicinal plants by the members of Candomblé, identifying plants used more frequently and diseases treated by referred plants.
Methods:
we interviewed 25 leaders of Candomblé. The research is the type descriptive and exploratory, by qualitative approach. As instrument of data collection was used the semi-structured interview. Data was analyzed based on the thematic approach of speeches.

Results: with respect to plants known were mentioned 29. Among the plants mentioned we can highlight: Alpinia speciosa Schum (84 %); Schinus terebinthifolius Raddi (68 %); Plectranthus amboinicus (Lour.) (60 %); Coleus barbatus Benth (56 %); Ruta graveolens Linn (48 %); Rosmarinus officinalis Linn (40 %); Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf (32 %); Phyllanthus amarus Schum. e Thorn (28 %); Momordica charantia Linn (20 %) e Chamomilla recutita (L.) Rauschert (12 %). It was noted that the interviewees use medicinal plants at promoting of health, prevention and treatment of many diseases and disorders, such as headaches, colds, gastric problems, renal problems and intestinal problems, hypertension, inflammation generally and vertigo.
Conclusions: the use of medicinal plants by leaders of Candomblé means a renewal of millenary traditions and an expression of cultural resistance, still representing a significant health intervention linked to the beliefs and to the empirical knowledge of the representatives of that religion, although this represents a distancing from what is considered conventional in health care.

Key words: traditional medicine, medicinal plants, religion, science.


 

 

INTRODUÇÃO

A origem do conhecimento do homem sobre as virtudes das plantas medicinais vem desde os primórdios da civilização se confundido com a sua própria origem, sendo amplamente difundida através dos curandeiros, benzedeiros e raizeiros.1

Desse modo, desde o início da história humana existiu a intuição ou a inspiração de que nas plantas era possível encontrar os meios de cura ou de alivio. Portanto, empiricamente, o homem aprofundou seus conhecimentos na utilização desses recursos naturais, transmitindo esses saberes a partir da tradição oral, pautando-os ainda em uma constante vinculação com os credos religiosos.2,3

Nesse sentido, Camargo4 relata que são nas religiões de origem e influência africana que acontece a maior incidência do uso de plantas com propriedades medicinais. No Brasil, de acordo com Silva5, podem ser encontrados mais de 30.000 terreiros no país constituindo as diversas expressões das religiões de matrizes africanas.

Conseguintemente, podem-se considerar religiões afro-brasileiras aquelas que tiveram origem nos cultos religiosos tradicionais africanos, um exemplo nesse aspecto é o candomblé, que foi considerado por muitos anos apenas certo tipo de dança, entretanto, no decorrer dos séculos, passou a significar também como um ritual religioso dos africanos.6

Segundo Birman,7 no Brasil, o candomblé prosperou e expandiu-se consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Atualmente, o candomblé é uma das principais religiões estabelecidas em território nacional, com seguidores de todas as classes sociais e dezenas de milhares de terreiros.8

Para os adeptos do candomblé a saúde acontece em três dimensões: saúde mental, saúde do corpo e saúde espiritual. Nesse âmbito, vale ressaltar que há uma forte herança da cultura africana sobre a medicina popular do Brasil, em especial no que tange ao uso de plantas medicinais, recurso largamente utilizado nos primórdios da colonização e que perdura até os nossos dias, consistindo em um campo de saber lídimo e valioso.9

Assim, mesmo diante do advento das práticas cientificistas no contexto do que denominamos de medicina convencional, a população de baixa renda ainda encara as plantas como uma opção na busca de soluções terapêuticas, já que se trata de uma alternativa eficiente, barata e culturalmente difundida.10

No Brasil, com o surgimento do Sistema Único de Saúde na década de 80, diversos documentos foram elaborados enfatizando a introdução de plantas medicinais e fitoterápicos na atenção básica do sistema público.11

Nesse sentido, durante a 10ª Conferência Nacional de Saúde realizada em 1996 foi incentivado incorporar ao SUS práticas de saúde que contemplassem o uso de práticas populares, bem como de terapias alternativas, tais como a fitoterapia.12

Assim, tendo em vista a relação existente entre o uso de plantas medicinais e a realização de práticas ritualísticas é que se observou a importância de desenvolver um estudo que identifique as plantas utilizadas na prática de líderes do candomblé, reconhecendo-os como portadores de conhecimentos relevantes no que concerne à prática da medicina rústica e que repousam nas tradições milenares das religiões africanas.1

Portanto, o presente estudo tem por objetivo caracterizar o uso de plantas medicinais utilizadas nos terreiros de candomblé na Região do Cariri cearense, propondo-se ainda a alencar as patologias costumeiramente tratadas mediante o uso das plantas referidas.

 

MÉTODOS

O estudo é do tipo exploratório-descritivo com abordagem qualitativa, sendo desenvolvido em cinco terreiros de Candomblé, entre os municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha. Os municípios fazem parte da Região Metropolitana do Cariri, sul do Ceará, e estão localizados a aproximadamente 520 km de Fortaleza, capital do estado.

Os sujeitos da pesquisa foram constituídos de “pais”, “mães de santo” e “mães das folhas”, membros ativos dos terreiros de candomblé. A seleção dos sujeitos para a amostra estava condicionada à participação espontânea na pesquisa. Os entrevistados foram representados em nosso estudo por nomes de flores seguidos pela ordem de realização das entrevistas. Nossa amostra foi composta por vinte e cinco sujeitos, dezessete (17) do sexo feminino e oito (08) do sexo masculino.

O instrumento escolhido para guiar a coleta de dados foi a entrevista. Segundo Lakatos e Marconi13 a entrevista é o procedimento idealizado na investigação social, para coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social. Será utilizada a entrevista semi-estruturada que de acordo com Minayo14 é aquela que combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, sem respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador.

A entrevista aplicada aos membros do candomblé abordou aspectos relacionados ao conhecimento e ao uso de plantas medicinais. Para registrar fidedignamente as informações obtidas durante as entrevistas, utilizamos a técnica de gravação das falas através de um dispositivo de gravação de voz por aparelho de mp3, posteriormente, foi realizada a transcrição. As gravações foram arquivadas com identificação própria imposta no estudo. A coleta de dados foi realizada nos terreiros e em locais escolhidos pelos entrevistados.

A análise dos dados formulou-se através de um estudo temático dos discursos obtidos. Realizaram-se as transcrições pormenorizadas das falas gravadas e em seguida, os dados foram coletados e agrupados com a técnica de organização de dados denominada análise categorial que, de acordo com Rodrigues & Leopardi,15 é processada a partir de um desmembramento do texto em unidades de categorias, trazendo mais clareza e dinamismo aos discursos.

A identificação das espécies foi realizada após as entrevistas, nas hortas residenciais e mediações domésticas dos entrevistados, essa identificação foi realizada por um biólogo e botânico, membro do corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Bioprospecção Molecular (PPBM) da Universidade Regional do Cariri (URCA)/Brasil, Dr. Antônio Álamo Feitosa Saraiva.

A pesquisa obedeceu a todas as recomendações éticas referente aos estudos envolvendo seres humanos, obedecendo aos termos da portaria 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e sendo submetida à aprovação do comitê de ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte (FMJ), sendo aprovado sob parecer: com parecer nº 2009-0331- FR- 256777.

 

RESULTADOS

Caracterização dos sujeitos

A amostra deste estudo foi composta por 25 membros do candomblé entre eles “pais” e “mães” de santo e “mães” das folhas (curandeiras), que serão representados por nome de flores. Entre os sujeitos da pesquisa dezessete são (68 %) do sexo feminino e oito (32 %) do sexo masculino. Quanto à faixa etária a amostra foi toda representada pela classe adulta, variando entre 20 e 68 anos.

Quando indagados há quanto tempo fazem parte do candomblé, dezoito pessoas (72 %) disseram não saber, pois os seus antepassados já faziam parte e continuaram com essa vivência. Outros cinco (20 %) responderam que há mais de cinco anos e apenas dois (8 %) há 1 ano e meio.


Utilização de plantas medicinais

Na tabela, as plantas mais citadas pelos entrevistados foram organizadas e listadas na tabela a seguir, com seus respectivos nomes populares, nomes científicos, sintomas/ patologias tratados, partes utilizadas e formas de uso tradicional.

Quando questionados se utilizam plantas medicinais os vinte e cinco integrantes do candomblé (100 %) responderam que sim. Indagados se fizeram uso de plantas medicinais no dia da pesquisa, dezessete pessoas (68 %) responderam positivamente.

Nas entrevistas coletadas foi possível observar que os integrantes do candomblé evitam comprar as plantas, pois manifestam a preocupação com: a higiene dos feirantes; o respeito ao público e os preços dos produtos.

Questionados ainda sobre a interferência das plantas medicinais na saúde, obtivemos por 19 pessoas (76 %) a resposta de que as plantas não fazem mal a saúde e as demais (24 %) acham que talvez possa trazer algum malefício.

Em seguida, alistamos por ordem crescente de citações, as plantas mais utilizadas no candomblé como mostra a figura 1.


Patologia tratada por plantas medicinais

Entre os entrevistados a doença mais referida que pode ser tratada com plantas medicinais foi a cefaleia por vinte e três pessoas (92 %), seguida por resfriado com dezesseis relatos (64 %), problemas gástricos com doze (48 %), problemas renais com nove citações (36 %), problemas intestinais com sete (28 %), hipertensão com seis (24 %), inflamações de um modo geral com três citações (12 %) e por fim vertigem com duas (8 %). (Fig. 2).

 

DISCUSSÕES

Corroborando com Camargo,4 são nas religiões de origem africana que acontece a maior incidência do uso de plantas medicinais. Sabe-se ainda que, na realidade do Brasil, esse conhecimento acerca das propriedades medicinais das plantas da flora nativa, em parte, deve-se ao contato direto entre indígenas e africanos durante o período de colonização.5

Observou-se ainda que o conhecimento é restrito aos mais idosos. Como mostra Prandi16 muitos dos conceitos básicos que dão sustentação à organização da religião dos orixás em termos de autoridade religiosa e hierarquia sacerdotal dependem do conceito de experiência de vida, aprendizado e saber, intimamente decorrentes da noção de tempo ou a ela associados.

No caso da Colônia, ou Mãe Boa (Alpinia speciosa Schum), citada por vinte e uma pessoas (84 %), trata-se de planta com reconhecidas propriedades medicinais e largamente utilizada. De acordo com Silva, Oliveira e Araújo17 seus efeitos envolvem ação espasmolítica, antibacteriana, antiinflamatória, hipotensora e sedativa.

A segunda planta referida com mais frequência foi a Aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi) mencionada por dezessete sujeitos da pesquisa (68 %). No passado, a aroeira foi muito utilizada pelos jesuítas que, com sua resina, preparavam o "Bálsamo das Missões", famoso no Brasil e no exterior.

A planta inteira é utilizada externamente como antisséptico no caso de fraturas e ferida exposta. O óleo essencial é o principal responsável por várias atividades dessa planta, especialmente à ação antimicrobiana. As propriedades medicinais da Aroeira já foram tratadas em estudos nacionais, e envolvem desde sua ação positiva em vaginoses bacterianas, bem como em processos de cicatrização.18,19

A terceira planta foi a Malva do Reino – Plectranthus amboinicus (Lour.), mencionada por quinze pessoas (60 %). A Malva do Reino é cientificamente conhecida por suas propriedades anti-inflamatórias.20

A quarta planta indicada com maior frequência foi a Tapete de oxalá ou falso-boldo (Coleus barbatus Benth), por quatorze pessoas da amostra (56 %). Essa planta é popularmente utilizada para tratamento como cicatrizante e, em especial, para transtornos do sistema digestório.21,22 Os sujeitos da pesquisa a associaram ainda como sendo útil para tratar cefaleias.

A quinta planta mais referida foi a arruda (Ruta graveolens Linn), mencionada por doze pessoas (48 %). De acordo com Amaral,23 o uso da arruda remonta às crenças populares de raiz africanas e aos tempos coloniais, onde se acreditava em seus poderes sobrenaturais, tais como para espantar maus espíritos e afastar doenças contagiosas.

Os escravos africanos usavam-na contra mau-olhado. A igreja, no início da era cristã, fazia raminhos de arruda para espargir água-benta nos fiéis. As rezadeiras ainda acreditam que a Arruda é uma planta poderosa para descarga de íons positivos (nocivos) e de vibração emitida por inveja ou feitiço.23

No que tange as suas propriedades medicinais, foi apontada como útil para fortalecer o sistema imunológico, para cicatrização de feridas, para crises de reumatismo, como calmante natural, entre outras atribuições associadas à medicina popular.24

A sexta planta mais citada foi o alecrim (Rosmarinus officinalis Linn.), indicada por dez sujeitos do estudo (40 %). Nos cultos de religiões africanas é utilizado em banhos e como incenso, a sua essência também é utilizada em perfumaria, o que lhe confere propriedades excitantes, tônicas e estimulantes. É considerada fácil de cultivar tendo uma boa tolerância a pragas.25

Seus efeitos antimicrobianos e abortivos já foram descritos em alguns estudos.26,27

A sétima planta foi o capim-santo (Cymbopogon citratus (D.C.) Stapf), sendo referida por oito pessoas da amostra (32 %). Essa espécie é originária da Índia e sua introdução no Brasil é muito antiga. O óleo essencial do capim-santo é usado em perfumaria para a produção de bionona (aroma de violetas), na síntese da vitamina A e como antisséptico, por sua ação fungistática.28 Nesse aspecto, podemos observar que os líderes do candomblé associaram ainda o capim-santo como útil para lidar com o estresse, assim como um emagrecedor natural.

A oitava planta foi o sangue lavor mais conhecida como quebra-pedra (Phyllanthus amarus Schum. e Thorn) foi mencionada por 28 % da amostra. O quebra-pedra é uma planta associada na prática da medicina popular ao tratamento de cálculos renais.24,29

A Nona planta mais citada foi o melão de São Caetano (Momordica charantia Linn), por sete pessoas da amostra (20 %). De acordo com a Medicina Tradicional seu uso está associado geralmente ao tratamento de distúrbios digestivos e de urticárias,24 porém encontramos também menções da utilidade do melão de são Caetano como antipirético e para o tratamento de enxaquecas.

A décima planta referida em maior frequencia foi a Camomila (Chamomilla recutita (L.) Rauschert), por 3 pessoas (12 %). Trata-se de uma das ervas mais antigas que a humanidade já utilizou. As pequenas flores da camomila concentram potentes óleos voláteis responsáveis por efeitos anti-inflamatório, antisséptico, sedativo e antiespasmódico.25

Desse modo, de acordo com Almeida,30 é nítida a relação do homem com a busca de caminhos místicos para sua própria cura, evidenciado através do uso de plantas nas portas, como guardiãs, na fabricação de pequenos amuletos, no preparo de banhos, incensos e chás, revelando, assim, a mais transparente das formas que a comunidade utiliza para curar o corpo e a alma de forma quase sempre instintiva, unindo o mágico com as propriedades medicinais efetivas, na busca pelo tratamento de patologias estabelecidas ou do mal-estar subjetivo.

Nesse contexto, a medicina popular configura-se como um elemento importante para compreender as práticas de saúde e sua relação direta com a espiritualidade, à tradição e à sociobiodiversidade, podendo ainda ser considerada como importante elemento cultural, tendo seu escopo de conhecimentos sido incorporado por determinados grupos populacionais e sedimentados no cotidiano, perfazendo parte indissoluta do que definimos e conhecemos como sabedoria tradicional, regendo, em maior ou menor intensidade hábitos diários; crenças e a forma do indivíduo de encarar a busca pelo restabelecimento, frente uma enfermidade.

Nesse âmbito, insere-se também, conforme considerado, o aspecto do fenômeno religioso e da busca pela espiritualidade, tão evidenciado nos discursos dos líderes do candomblé entrevistados. De fato, assim como na Antiguidade, onde se buscava a orientação, bondade ou consolo dos deuses para lidar com uma enfermidade debilitante ou desconhecida, recorrendo a oferendas e/ou sacrifícios, hoje a religião busca tornar mais compreensível a fragilidade da vida humana, diante do impensável, oferecendo ainda alternativas viáveis para o manejo de patologias específicas.

Contudo, destaca-se que no decorrer dos anos e a partir da constante cientificidade incorporada nas práticas médicas, observou-se uma crescente desvalorização, em especial por parte dos profissionais de saúde, daquilo que se constitui em práticas relacionadas à medicina não convencional, e que englobam desde as orações até à fitoterapia, abordada nesse estudo.

Por conseguinte, embora se apregoe que se deve considerar o cliente-paciente em sua totalidade, como um ser holístico, o que se observa é um distanciamento, cada vez mais nítido, em especial durante as consultas, entre o doente, a doença, os fatores culturais, os fatores sociais e a forma do indivíduo de compreender seu processo de adoecimento e o que motiva sua busca por restabelecimento e de que forma essa busca será realizada.

No entanto, compreender as práticas associadas à medica tradicional, como elas se desenvolveram e como ainda exercem uma influência direta sob nossas vidas em maior ou menor grau, nos dará subsídios para compreender a realidade cultural daqueles que prestamos assistência e isso corrobora com a necessidade vigente de estabelecer modelos assistenciais pautados em uma abordagem que relaciona a saúde humana como o dinamismo existente nos fenômenos biológicos; psicossociais; ambientais; culturais e espirituais.

Desse modo, destaca-se que as religiões afro-brasileiras possuem um modelo de cuidado e atenção à saúde que tem repercussão na melhoria da qualidade de vida dos adeptos e da comunidade do entorno. Os terreiros reúnem um repertório simbólico e alternativo de informação, educação e atendimento na prática de lidar com a saúde, fato esse vislumbrado a partir de seu conhecimento diversificado acerca do uso de plantas medicinais.

Considerando o presente estudo, vale ressaltar ainda que o binômio saúde-doença está associado à organização da sociedade, bem como de suas heranças históricas, que abrangem suas características culturais e seus saberes, não sendo possível destituir o indivíduo de suas concepções, representações e experiências vivenciadas de forma intimista ou inseridas em uma determinada comunidade, ainda que isso represente, de fato, um distanciamento do que hoje é conhecido como assistência convencional em saúde.


Contribución de autores

CE Paz procedeu à concepção e ao desenvolvimento da pesquisa. ICS Lemos contribuíram com a redação do artigo. AB Monteiro participou no processo de coleta de dados. HDM Coutinho e CFB Felipe auxiliaram na interpretação e na análise dos Dados. MR Kerntopf e IAR Menezes realizaram a redação final do artigo e GP Fernandes contribuiu com a revisão crítica do artigo.

 

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Recibido: 11 de junio de 2014.
Aprobado: 11 de enero de 2015.

 

 

Dra. Marta Regina Kerntopf. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa, PB. Brasil.
Correo electrónico: martareginakerntopfm@outlook.com