ARTÍCULO ORIGINAL

 

Atividade ansiolítica do extrato bruto da Kielmeyera rubriflora Cambess (Pau Santo) em camundongos

 

Actividad ansiolítica del extracto crudo de la kielmeyera rubriflora (Pau Santo) en ratones

 

Anxiolytic activity of kielmeyera rubriflora (Pau Santo) crude extract on mice

 

Amine Becheleni Pimenta,I Sérgio Ricardo Stuckert Seixas,I Luiz Elídio Gregório,II Cynthia Fernandes Ferreira SantosI

I Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Diamantina, Brasil.
II Universidade Federal de São Paulo. Diadema, Brasil.

 

 


RESUMO

Introdução: a Kielmeyera rubriflora Cambess, pertence à família Clusiaceae. É uma planta nativa da Região do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais no Brasil. É utilizada na medicina caseira, entretanto, até o momento não existem publicações de estudos farmacológicos a seu respeito.
Objetivo: avaliar os efeitos ansiolíticos do extrato da K. rubriflora sobre o sistema nervoso central de camundongos.
Métodos: o extrato bruto das partes aéreas foi administrado de modo agudo por gavagem nas doses de 100 mg/kg, 250 mg/kg e 500 mg/kg em camundongos albinos, suíços, machos, com idade entre 9 e 13 semanas, com peso entre 25 e 40 g. Foram utilizados os testes de movimentação espontânea, potencialização do tempo de sono induzido por barbitúrico, placa perfurada e labirinto em cruz elevado.
Resultados: o tempo de duração do sono não foi significativamente alterado por nenhuma das doses do extrato. Na ambulação houve aumento significativo nas doses de 100 e 500 mg/kg sugerindo efeito ansiolítico e diminuição significativa na dose de 250 mg/kg sugerindo efeito sedativo. No teste do labirinto em cruz elevado, houve diminuição do tempo de permanência nos braços fechados com a dose de 100 mg/kg e aumento significativo de entradas no braço aberto na dose de 250mg/kg sugerindo atividade ansiolítica. No teste da placa perfurada houve diminuição significativa de mergulhos de cabeça nas doses de 250 mg/kg e 500 mg/kg sugerindo ação sedativa e aumento significativo de mergulhos de cabeça na dose de 100 mg/kg sugerindo ação ansiolítica.
Conclusão: os dados sugerem ação sedativa e ansiolítica dose-dependente do extrato bruto da K. rubriflora.

Palavras-chave: Kielmeyera rubriflora; ansiolítica; sedativa; antidepressiva; SNC plantas do cerrado; labirinto em cruz elevado; placa perfurada.


RESUMEN

Introducción: la Kielmeyera rubriflora Cambess, pertenece a la familia Clusiaceae. Es una planta nativa de la región del Valle de Jequitinhonha en Minas Gerais en Brasil. Se utiliza en la medicina popular, sin embargo, hasta el momento no existen publicaciones de estudios farmacológicos sobre esta especie.
Objetivo: evaluar los efectos ansiolíticos del extracto de K. rubriflora sobre el sistema nervioso central (SNC) en ratones.
Métodos: el extracto crudo de las partes aéreas se administró de forma aguda por sonda en dosis de 100 mg/kg, 250 mg/kg y 500 mg/kg en ratones albinos, suizos, varones, con edades comprendidas entre 9 y 13 semanas, con un peso entre 25 y 40 g. Se utilizaron las pruebas de movimiento espontáneo, potenciación de tiempo de sueño inducido por barbitúricos, placa perforada y laberinto en cruz elevado.
Resultados: la duración del sueño no se alteró de manera significativo por ninguna de las dosis del extracto. La ambulación aumentó significativamente a dosis de 100 y 500 mg/kg, lo que sugiere un efecto ansiolítico y disminuyó significa a una dosis de 250 mg/kg que sugirió efecto sedante. En la prueba del laberinto en cruz elevado, hubo disminución del tiempo pasado en los brazos cerrados con la dosis de 100 mg/kg y aumento significativo de entradas en los brazos abiertos a una dosis de 250 mg/kg lo que sugere actividad ansiolítica. En la prueba de la placa perforada hubo una disminución significativa de inmersiones de cabeza en dosis de 250 mg/kg y 500 mg/kg, que sugirió una acción sedante y un aumento significativo en las inmersiones de cabeza a una dosis de 100 mg/kg lo que sugere una acción ansiolítica.
Conclusión: los datos sugieren acción ansiolítica y sedante de manera dosis dependiente del extracto crudo de K. rubriflora.

Palabras clave: Kielmeyera rubriflora; ansiolítico; sedante; antidepressivo; plantas del cerrado SNC; laberinto en cruz elevado; placa perforada.


ABSTRACT

Introduction: the Kielmeyera rubriflora Cambess, belongs to the Clusiaceae family. It is a native plant to the Vale do Jequitinhonha in Minas Gerais in Brazil. It is used in folk medicine, however, so far there are no publications of pharmacological studies regarding this.
Objective: to evaluate the anxiolytic effects of K. rubriflora extract on the central nervous system of mice.
Method: the crude extract of the aerial parts was administered acutely by gavage at doses of 100 mg/kg, 250 mg/kg and 500 mg/kg in albino Swiss, males mice, between 9 and 13 weeks of age, weighing between 25 and 40 g. Spontaneous movement, potentiation of sleeping time induced by barbiturate, hole board and the elevated plus maze testes were performed.
Results: the duration of sleep was not significantly altered by any of the doses of extract. The ambulation was significantly higher at doses of 100 and 500 mg/kg, suggesting an anxiolytic effect, and significantly lower at a dose of 250 mg/kg suggesting sedative effect. In the elevated plus maze test, there is less time spent in the closed arms with doses of 100mg/kg and significant increase in open arm entries with doses of 250mg/kg suggesting anxiolytic activity. In the hole board test, head dipping decrease significantly with doses of 250 mg/kg and 500 mg/kg suggesting sedative action and significant increase in head dipping with doses of 100 mg/kg suggesting anxiolytic action.
Conclusion: the data suggests sedative and anxiolytic dose-dependent action of the crude extract of K.rubriflora.

Keywords: Kielmeyera rubriflora ; anxiolytic, sedative; antidepressant; CNS cerrado plants; elevated plus maze; hole board.


 

 

INTRODUÇÃO

Apesar da tecnologia disponível hoje em dia para síntese de novos fármacos, os produtos naturais continuam sendo um importante campo de pesquisa, sendo a estratégia mais bem sucedida para a descoberta de novos medicamentos, esta busca tem levado ao estudo e ao uso de fitoterápicos.1

A Kielmeyera rubriflora Cambess é uma planta medicinal de uso popular na região do cerrado, nativa da região do Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais e popularmente conhecida como Pau Santo, Rosa do Campo, Flor de Santa Rita ou Rosa do Cerrado. Apesar de seu uso na medicina caseira, até o momento não se encontram na literatura estudos farmacológicos a seu respeito, bem como os estudos fitoquímicos são ainda escassos.2-6

De suas partes aéreas foram encontrados flavonoides, taninos, triterpenos, e xantonas. As seguintes xantonas foram isoladas das partes aéreas da K. rubriflora: 1,7-dimetoxi 2,3,8-trihidroxixantona, 2-hidroxixantona; 2,4-dimetoxi-3-hidroxixantona; 2,3-dimetoxi-4-hidroxixantona; 4-hidroxi-2,3-etilenodioxixantona; 4-metoxi-2,3-metilenodioxixantona, Kielcorina, 2-hidroxi-3,4-dimetoxixantona, 2,3,8-trihidroxi-1,7-dimetoxixantona.6-9

As plantas do gênero Kielmeyera têm demonstrado várias utilidades terapêuticas como: antioxidante e antiviral (Kielmeyera variabilis), antiviral (Kielmeyera lathrophyton) anticancerígena e antidepressiva (Kielmeyera coriácea).10-15

A fração diclorometano da extração alcoólica do caule da Kielmeyera coriacea resultou em efeito ansiolítico no teste do labirinto em forma de T. No material estudado foram isoladas uma mistura de triterpenos e algumas xantonas.16 A semelhança química de constituintes entre esta espécie e a K. rubriflora abre expectativa de que haja efeito ansiolítico também na K. rubriflora.

O Objetivo do trabalho foi avaliar os efeitos ansiolíticos do extrato bruto das partes aéreas da K. rubriflora sobre o sistema nervoso central (SNC) de camundongos através dos testes de movimentação espontânea, potencialização do tempo de sono induzido por barbitúrico, placa perfurada e labirinto em cruz elevado.

 

MÉTODOS

Material botânico

Os espécimes de K. rubriflora foram coletados em Fevereiro de 2013 no Parque Estadual do Biribiri em Diamantina, MG-Brasil. Uma exsicata da planta está arquivada no Herbário Jeanine Felfili da UFVJM sob o número de coletor LEG 49.

As partes aéreas da planta foram desidratadas em estufa de ar circulante a 40 °C por uma semana, pulverizadas em moinho de facas e maceradas na proporção de 1:10 p/v em etanol 96 % por uma semana. O material foi filtrado, concentrado em rota evaporador a 40 °C e o volume residual foi seco a temperatura ambiente e guardado em dessecador à vácuo.17 Cada 100 gramas de planta seca e pulverizada rendeu 1 grama de extrato seco.

Momentos antes das administrações o extrato foi diluído em água destilada nas proporções de 100 mg/10 mL, 250 mg/10 mL e 500 mg/10 mL, de modo que então cada camundongo recebesse 10 mL/kg.


Animais

Foram utilizados camundongos suíços (Mus musculus), albinos, machos com idade de 11 ± 2 semanas e pesando entre 25 e 40 g.

Os animais foram gentilmente cedidos pela Fundação Oswaldo Cruz MG. Após o transporte os animais foram aclimatados no biotério do Núcleo de Experimentação Animal (NEA) da Faculdade de Fisioterapia da UFVJM por no mínimo 10 dias antes dos experimentos.

Os animais foram mantidos em grupos de 10 a 15 animais em caixas de polipropileno e receberam água e ração Nuvilab ® a vontade, exceto nos dias dos experimentos quando ficaram sem alimento por uma hora antes da aplicação dos testes.

As caixas foram mantidas em gabinetes climatizados a 23 ºC ± 1 ºC, umidade de 29 %, circulação de ar média e ciclo claro/escuro de 12 horas (fase clara das 07:00 hs/às 19:00 hs).

O uso dos animais foi autorizado pela CEUA-UFVJM sob o parecer 047/13.


Delineamento experimental

Como não existem estudos farmacológicos prévios da espécie estudada, foram usadas as doses de 100 mg/kg, 250 mg/kg e 500 mg/kg que foram baseadas nas médias das doses de extrato bruto usadas em outros estudos similares a este.

Foram constituídos 5 grupos experimentais com 10 animais distribuídos aleatoriamente que receberam: Água destilada, diazepam 5 mg/kg (DZP 5), extrato de K. rubriflora 100 mg/kg (EKR-100), extrato de K. rubriflora 250 mg/kg (EKR-250), extrato de K. rubriflora 500 mg/kg (EKR-500). As drogas e extratos foram diluídas em água destilada com exceção do tiopental sódico que foi diluído em solução salina. As diluições foram realizadas momentos antes de cada teste e foram agitadas por 10 segundos no vortex imediatamente antes de cada administração. Os tratamentos foram administrados por gavagem exceto o tiopental sódico que foi administrado por via i.p.

Os experimentos foram realizados sempre à mesma hora do dia (fase clara do ciclo), sendo os animais colocados na sala de experimentos uma hora antes das administrações dos tratamentos, pesados e marcados 30 minutos antes do início de cada bateria de experimento.

O teste de potencialização do tempo de sono foi observado e os demais foram filmados. Durante os testes não houve movimentação de pessoas na sala de experimentos. Os aparelhos foram higienizados com etanol 10 % entre a exposição de um e outro animal.


Teste da movimentação espontânea

Cada animal foi colocado individualmente no centro de uma caixa de madeira de 30 cm × 30 cm × 30 cm com o fundo dividido em 9 quadrados de 10 cm × 10 cm. Os animais foram observados por 5 minutos aos 30, 60 e 120 minutos, sendo que aos 30 minutos permaneceram na caixa por 10 minutos dos quais foram desprezados os primeiros 5 minutos. Foi contado o número de quadrados atravessados com as 4 patas pelo animal, o número de levantamentos sobre as patas traseiras e o número de autolimpezas.18


Teste de potencialização do tempo de sono induzido por barbitúrico

Trinta minutos após os tratamentos os animais receberam tiopental sódico 80 mg/kg via i.p. O tempo de latência para o início do sono foi considerado o tempo entre a aplicação do tiopental sódico e a perda do reflexo de endireitamento e o tempo total de duração do sono foi considerado o tempo entre a perda e a recuperação do reflexo de endireitamento. Foi considerado que o animal recuperou o reflexo de endireitamento quando por 3 vezes consecutivas foi colocado na posição de decúbito dorsal e conseguiu colocar as 4 patas no fundo da bandeja. Fixou-se um tempo máximo de observação de 3h de sono para cada animal, quando o animal não acordou dentro deste período foi considerado que dormiu por 3h.19,20


Teste do labirinto em cruz elevado

Foi usado um labirinto de madeira com braços de 30 cm × 5 cm a 40 cm do chão. Uma hora após a administração dos tratamentos cada animal foi colocado no centro do labirinto com a cabeça voltada para o mesmo braço aberto. Foram contados o número de entradas e o tempo de permanência em cada braço e por 5 minutos.21


Teste da placa perfurada

Foi usada uma placa de madeira de 40 cm × 40 cm × 0,5 cm a 5 cm do fundo do aparelho, com 16 furos equidistantes com 3 cm de diâmetro. A placa foi encaixada em uma caixa de vidro com profundidade de 40 cm, largura de 40 cm e altura de 30 cm.

Uma hora após a administração dos tratamentos, cada animal individual foi colocado no centro da placa perfurada. Foi contado o número de vezes que o animal mergulhou a cabeça nos furos da placa durante 5 minutos. Os mergulhos foram considerados válidos quando a cabeça abaixou pelo menos o suficiente para os olhos estarem imersos no orifício.22


Análise estatística

Os resultados foram expressos em média ± erro padrão da média (EPM) e os grupos experimentais foram comparados aos seus respectivos controles. Para a contagem do tempo de sono durante a observação no teste de potencialização do sono induzido por tiopental sódico foi usado o teste de Análise de Sobrevivência de Kaplan Meier. Os resultados dos demais testes farmacológicos foram analisados pelos testes estatísticos de Análise de Variância -ANOVA- utilizando Modelos Lineares Generalizados por Diferença Mínima Significativa. Foram considerados intervalos de confiança de 95 % e as diferenças foram consideradas estatisticamente significantes quando p ≤ 0,05. O tratamento dos dados obtidos e análises foram realizados com o pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0.

 

RESULTADOS

Potencialização do tempo de sono induzido por barbitúrico

Nenhum dos tratamentos administrados alterou de forma significativa o tempo de latência para o sono induzido pelo tiopental sódico.

O tempo de sono durante a observação foi reduzido em 20 % pelo extrato na dose de 100 mg/kg e em 26 % pela dose de 500 mg/kg, entretanto, apesar da tendência apresentada os valores não demonstraram aumento significativo em relação aos valores do grupo controle quando submetidos ao teste estatístico. O tratamento por diazepam 5 mg/kg prolongou de forma significativa o tempo de sono (tabela 1).


Campo aberto

Aos 30 minutos o número de quadrantes atravessados pelos animais foi aumentado de forma significativa nos grupos EKR-100 e EKR-500 e diminuído de forma significativa no grupo EKR-250, enquanto o diazepam não alterou este parâmetro.

Aos 60 minutos o número de quadrantes atravessados foi diminuído de forma significativa por diazepam e aumentado de forma significativa no grupo EKR-100, os outros grupos não apresentaram alteração.

Aos 120 minutos diazepam e EKR-500 aumentaram de forma significativa o número de quadrantes atravessados (tabela 2). Sendo que o diazepam apresentou o fenômeno de hormese com ação sedativa aos 60 minutos e ansiolítica aos 120 minutos quando sua concentração plasmática devia ser menor que aos 60 minutos.


A diminuição dos comportamentos de autolimpeza e levantamentos na caixa de atividade junto à diminuição da ambulação é característica de ação sedativa da droga. Em relação ao número de levantamentos, aos 30 minutos o número de levantamentos foi diminuído por diazepam e EKR-250 (tabela 3) sugerindo ação sedativa destes tratamentos. Aos 60 e 120 minutos apenas o diazepam diminuiu de forma significativa o número de levantamentos. Já quanto ao número de autolimpezas houve diminuição significante pelo diazepam em todas as leituras, nenhuma das doses dos extratos alterou este parâmetro.


Placa perfurada

Neste teste todos os tratamentos alteraram de forma significativa o número de mergulhos de cabeça quando comparados ao grupo tratado com água. Diazepam, EKR-250 e EKR-500 diminuíram o número de mergulhos de cabeça, sugerindo atividade sedativa, e EKR-100 aumentou o número de mergulhos de cabeça (tabela 1) sugerindo atividade ansiolítica.


Labirinto em cruz elevado

O número de entradas nos braços abertos foi aumentado por EKR-250. O diazepam aumentou significativamente o número de entradas nos braços fechados do labirinto (tabela 4).


O tempo de permanência nos braços abertos e no centro não foi alterado de forma significativa por nenhum dos tratamentos e o tempo de permanência nos braços fechados foi diminuído apenas pelo EKR-100 (tabela 4).

 

DISCUSSÃO

No presente estudo foi investigada a ação do extrato alcoólico das partes aéreas da K. rubriflora sobre o SNC de camundongos. Os dados obtidos sugerem que, nas doses investigadas, a administração por via oral do extrato produza ações ansiolítica e sedativa.

A atividade exploratória e de locomoção no teste da movimentação espontânea e no campo aberto foi correlacionada por análises multifatoriais. No referido trabalho a imobilidade na periferia da caixa foi significativamente aumentada tanto pelo aumento de doses do diazepam (sedativo) como pelo pentilenotetrazol (ansiogênico), significando que tanto ansiedade como sedação produzem o mesmo tipo de sinal neste equipamento (diminuição de ambulação), portanto os sinais devem ser analisados em um contexto e não isoladamente.23 No teste da placa perfurada a atividade sedativa é caracterizada por diminuição do número de mergulhos de cabeça. 24,25 Este conjunto de informações somados aos dados obtidos nestes testes sugerem uma atividade sedativa do extrato estudado na dose de 250 mg/Kg.

A fim de esclarecer melhor os sinais de ação sedativa evidenciados pelo extrato, foi aplicado outro teste geral, o teste da potencialização do tempo de sono induzido por barbitúricos. Os resultados mostraram que durante o tempo de observação apenas o diazepam, usado como controle positivo, foi capaz de prolongar significativamente o tempo de sono induzido pelo tiopental sódico 80 mg/kg sugerindo que o extrato em questão não possua atividade hipnótica. Entretanto, diferente do resultado obtido, a atividade sedativa evidenciada no teste de ambulação geralmente é acompanhada pela propriedade do extrato de potencializar o tempo de sono induzido.26-28

O fato do extrato de K. rubriflora apresentar efeito sedativo na caixa de movimentação espontânea e na placa perfurada e não potencializar o tempo do sono induzido pelo tiopental e até mesmo o reduzir ligeiramente levanta suspeitas de que o extrato possua propriedades de indução das enzimas hepáticas metabolizadoras. Efeito semelhante foi encontrado no extrato de Hypericum perforatum, quando administrado de forma aguda foi capaz de diminuir os quadrantes atravessados pelos animais no teste de ambulação indicando atividade sedativa e como no presente estudo não alterou o tempo de sono induzido por barbitúrico, quando administrado cronicamente por 14 dias o tempo de duração do sono foi reduzido, a esta redução do tempo de sono foi atribuída a propriedade indutora enzimática do extrato.29

A administração crônica de extratos indutores enzimáticos por poucos dias é capaz de reduzir o tempo de sono induzido por barbitúricos, pois estes são metabolizados mais rapidamente levando o animal a acordar em tempo reduzido em comparação aos que receberam apenas controle, o extrato de Cleome viscosa administrado por 4 dias e o fitoterápico Yahom Tultavai por 7 dias reduziram significativamente o tempo de sono induzido por barbitúricos.30,31

A ação ansiolítica do extrato foi demonstrada na caixa de atividade e na placa perfurada. Na caixa de atividade a dose de 100 mg/kg de extrato de K. rubriflora estimulou um comportamento exploratório decorrente de efeito ansiolítico nas observações ocorridas aos 30 e aos 60 minutos após a administração do tratamento. Aos 120 minutos este efeito não foi observado provavelmente por metabolização da droga, sugerindo que os efeitos teriam uma duração de ação. Fugindo ao resultado que se esperava, interessantemente, a dose de 500mg/kg apresentou efeito ansiolítico aos 30 e 120 minutos, neste caso é possível que se trate de efeito produzido por um componente ou conjunto de componentes diferente dos que agem nas doses de 100 e 250 mg/kg e que nesta concentração está em quantidade suficiente para produzir um efeito farmacológico que suplanta a sedação causada pela dose de 250 mg/kg. Como o extrato é uma mistura complexa em altas doses outras substâncias podem mascarar os efeitos dos componentes principais.

No teste da placa perfurada a atividade ansiolítica é caracterizada pelo aumento do número de mergulhos de cabeça resultante do aumento de atividade exploratória.32

No teste do labirinto em cruz elevado o aumento significativo do número de entradas no braço aberto sem, todavia alterar o número de entradas nos braços fechados e a diminuição do tempo de permanência nos braços fechados são fatores indicativos de efeito ansiolítico.19,20 Neste contexto os resultados sugerem ação ansiolítica do extrato estudado nas doses de 100 e 250 mg/kg de extrato.

É provável que a diferença de comportamento frente às doses se deva ao fenômeno de hormese onde a dose maior produz efeito sedativo e a dose menor efeito ansiolítico. Estudos farmacológicos com outros medicamentos e outros extratos de plantas medicinais demonstraram resultados com perfil hormético ou curva dose-resposta em forma de U invertido foram encontrados em outras experimentações. O extrato de Croton celtidifolius, apresentou decréscimo dose dependente da atividade motora espontânea na caixa de atividade e no campo aberto, as doses mais baixas do extrato aumentaram a locomoção e atividade exploratória enquanto as doses mais altas diminuíram estes efeitos.33 Da mesma forma, o óleo essencial de Mentha piperita L. evidenciou um efeito ansiolítico no labirinto em cruz elevado, enquanto em concentrações maiores o efeito não foi observado.34 Este tipo de resultado pode ocorrer até mesmo em estudo com outras espécies, como o Danio rerio. Num estudo com esta espécie o etanol e as drogas benzodiazepínoicas clonazepam e diazepam produziram efeitos ansiolíticos que desapareceram quando as suas doses foram aumentadas produzindo uma curva hormética.35

Considerando os dados experimentais obtidos na presente investigação conclui-se que a administração por via oral do extrato etanólico das partes aéreas de K. rubriflora em camundongos demonstrou ação ansiolítica e sedativa dose-dependente com administração aguda, contudo não foi possível concluir se possui ou não atividade indutora de sono.


AGRADECIMIENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo á Pesquisa do Estado de Minas Gerias (FAPEMIG) pelo apoio financeiro e ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais pelo apoio técnico para produção do extrato. Ao Instituto René Rachou (Fiocruz – MG) pela doação dos animais, a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, pelo suporte técnico, material e disponibilização de espaço para realização dos experimentos.


APOIO FINANCEIRO

O projeto recebeu apoio financeiro do CNPQ e da FAPEMIG para a produção do extrato.

 

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Recibido: 24 de febrero de 2015.
Aprobado: 21 de octubre de 2015.

 

 

Amine Becheleni Pimenta. Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Diamantina, Brasil.
Correo electrónico: aminebecheleni@hotmail.com