ARTÍCULO ORIGINAL
Ação protetora de Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff. contra a toxicidade do cloreto de mercúrio em Escherichia coli
Protective action of Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff. against toxicity due to mercury chloride in Escherichia coli
Acción protectora de Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff. contra la toxicidad por cloruro de mercurio en Escherichia coli
MSc. Cicera Norma Fernandes Lima, BSc. Tânia Francelino Valero, MSc. Nadghia Figueiredo Leite, BSc. Liscássia Beatriz Batista Alencar, PhD. Edinardo Fagner Ferreira Matias, PhD. Marta Regina Kerntopf, PhD. Henrique Douglas Melo Coutinho
Laboratório de Farmacologia e Química Molecular, Laboratório de Microbiologia e Biologia Molecular, Universidade Regional do Cariri. Crato-CE, Brasil.
RESUMO
Introdução:
o mercúrio constitui um dos metais mais tóxicos e sua contaminação
tem sido alvo de muitos estudos que buscam desvendar os mecanismos envolvidos
em sua toxicidade e seus efeitos deletérios para os seres vivos. A espécie
Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff., conhecida popularmente como
araticum-bravo, ata-brava e ata de lobo, tem sido utilizada na medicina popular
como anti-reumáticas, para o tratamento de disfunções renais,
dores na coluna e no estômago, e contra pediculose.
Objetivo:
avaliar o efeito citoprotetor do extrato etanólico e frações
de D. furfuracea frente ao metal pesado cloreto de mercúrio (HgCl
2).
Métodos:
a caracterização dos metabólitos secundários foi realizada
através de prospecção fitoquímica, na qual se observam a
alteração de cor ou formação de precipitados após adição
de reagentes específicos. A Concentração Inibitória Mínima
(CIM) foi determinada pelo método de microdiluição em caldo e
a Concentração Bactericida Mínima (CBM) verificada utilizando
placas de petri com HIA (Heart Infusion Agar) para transferência
das soluções incubadas em placas de microdiluição.
Resultados:
a prospecção fitoquímica revelou a presença de taninos,
flavonoides e alcaloides. Todas as amostras apresentaram um CIM ≥ 1024
µg/mL. De acordo com os resultados obtidos na CBM, o extrato etanólico
e as frações de D. furfuracea, exceto a fração hexânica,
apresentaram atividade citoprotetora à bactéria E. coli frente
ao metal pesado cloreto de mercúrio, sendo essa ação atribuída
às propriedades quelantes dos flavonoides.
Conclusões:
os dados obtidos indicam a espécie D. furfuracea como uma fonte
promissora no combate a metais pesados, apresentando-se como protetora de seres
procariontes. Este é o primeiro relato do uso de plantas medicinais como
agente citoprotetor em modelo bacteriano.
Palavras-chave: Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff., cloreto de mercúrio, flavonoides, quelação.
ABSTRACT
Introduction:
mercury is one of the most toxic metals. Contamination by mercury has been the
object of many studies aimed at unraveling the mechanisms involved in its toxicity
and its harmful effects on living beings. The species Duguetia furfuracea
(A. St.-Hil.) Saff., popularly known asaraticum-bravo’, ‘ata-brava’
and ‘ata de lobo’, has been used in folk medicine as antirheumatic
and for the treatment of renal dysfunction, spinal pain, stomach ache and pediculosis.
Objective:
evaluate the cytoprotective effect of the ethanolic extract and fractions of
D. furfuracea against the heavy metal mercury chloride (HgCl 2).
Methods:
characterization of secondary metabolites was performed by phytochemical screening,
in which color change and precipitate formation are examined after the addition
of specific reagents. Minimum inhibitory concentration (MIC) was determined
by broth microdilution, and minimum bactericidal concentration (MBC) was verified
using petri plates with HIA (heart infusion agar) to transfer the solutions
incubated on microdilution plates.
Results:
phytochemical screening revealed the presence of tannins, flavonoids an alkaloids.
All samples exhibited a MIC ≥ 1024 µg/mL. MBC results showed that
the ethanolic extract and all fractions of D. furfuracea except for the
hexane fraction have cytoprotective activity by the bacterium E. coli
against mercury chloride, an action attributed to the chelating properties of
flavonoids.
Conclusions:
data point to the promising value of the species D. furfuracea against
heavy metals, presenting as protectors of procaryote beings. This is the first
report on the use of medicinal plants as cytoprotective agents on the bacterial
model.
Key words: Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff., mercury chloride, flavonoids, chelation.
RESUMEN
Introducción:
el mercurio es uno de los metales más tóxicos y su contaminación
ha sido objeto de muchos estudios que tratan de desentrañar los mecanismos
implicados en su toxicidad y sus efectos nocivos en los seres vivos. La especie
Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff., popularmente conocido como ‘araticum-bravo’,
‘ata-brava’ y ‘ata de lobo’, se ha utilizado en la medicina
popular como un anti-reumático para el tratamiento de la disfunción
renal, dolor vertebral y de estómago, y contra la pediculosis.
Objetivo:
evaluar el efecto citoprotector del extracto de etanol y fracciones de D.
furfuracea al metal pesado cloruro de mercurio (HgCl2).
Métodos:
la caracterización de metabolitos secundarios se realizó mediante
la prospección fitoquímica, en la que se observa el cambio de color
o la formación de precipitados después de la adición de los reactivos
específicos. La Concentración Inhibitoria Mínima (CIM) se determinó
mediante microdilución en caldo y la Concentración Bactericida Mínima
(CBM) verificada usando placas de petri con HIA ( Heart Infusion Agar)
para transferencia de las soluciones incubadas en placas de microdilución.
Resultados:
la prospección fitoquímica reveló la presencia de taninos, flavonoides
y alcaloides. Todas las muestras presentaron una CIM ≥ 1024 µg/mL.
De acuerdo con los resultados obtenidos en la CBM, el extracto de etanol y fracciones
de D. furfuracea, excepto la fracción de hexano, mostraron actividad
citoprotectora de la bacteria E. coli delante del cloruro de mercurio,
siendo esa acción atribuida a las propiedades quelantes de los flavonoides.
Conclusiones:
los datos obtenidos indican que la especie D. furfuracea como una fuente
prometedora para combatir los metales pesados, que se presentan como protectores
de seres procariotas. Este es el primer informe del uso de plantas medicinales
como agente citoprotector en el modelo bacteriano.
Palabras clave: Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) Saff., cloruro de mercurio, los flavonoides, la quelación.
INTRODUÇÃO
Há milhares de anos, metais pesados têm sido utilizados por seres humanos e, apesar de sua toxicidade ter sido bem relatada, a exposição a estes elementos tem aumentado principalmente em países menos desenvolvidos.1,2 A contaminação por metais pesados tem sido alvo de muitos estudos com a finalidade de desvendar os mecanismos envolvidos em sua toxicidade e seus efeitos deletérios para os seres vivos.3
O mercúrio, um dos sérios poluentes ambientais, constitui um dos metais mais tóxicos, não tendo função biológica conhecida.4,5 As fontes potenciais de mercúrio são resultantes da mineração do ouro, atividades industriais, queima de lixo, fundições e garimpo,6,7 exploração mineral e refino do metal, fábricas de cloro-álcali, indústrias de polpa e papel, indústrias de plástico e eletrônica, práticas agrícolas, hospitais e indústrias de medicamentos de mercúrio.8
Verificou-se que anualmente toneladas de cloreto de mercúrio (HgCl2) estão sendo liberados na atmosfera principalmente por processos industriais e de resíduos urbanos.9 Segundo Aguiar e colaboradores,10 poluição é qualquer alteração física, química ou biológica, que de alguma forma produza alterações no ciclo biológico normal, interferindo na composição da fauna e ou da flora do meio ambiente.
O mercúrio está presente no ambiente em diversas formas químicas, tais como, mercúrio metálico (Hg0) ou nas formas oxidadas, como o íon mercuroso (Hg22+) e o íon mercúrico (Hg2+) ou no estado elementar.8 No estado elementar, esse metal, surge da degradação da crosta terrestre a partir de vulcões, porém as formas artificiais de mercúrio são mais diversificadas do que as consideradas naturais. O mercúrio é o único metal que em temperatura ambiente e em condições normais de pressão pode ser encontrado no estado líquido, formando vapores incolores e inodoros. Pode estar associado a outros elementos químicos formando compostos orgânicos (metilmercúrio), sendo também encontrado na forma de compostos inorgânicos ou sais.11 Dentre estas formas, as mais comumente encontradas no ambiente são o mercúrio metálico, sulfeto de mercúrio, cloreto de mercúrio e o metilmercúrio.8
Microrganismos desenvolveram diversos mecanismos de resistência em resposta aos metais tóxicos.12 Esses mecanismos podem ser codificados por genes cromossomais, todavia é mais frequente que estejam localizados em elementos genéticos móveis como plasmídeos e transposons.13,14
A resistência bacteriana ao mercúrio é um dos mecanismos de resistência a metais tóxicos mais estudados. Em bactérias Gram-negativas, em especial as pertencentes à espécie Escherichia coli, a presença de determinantes genéticos de resistência ao mercúrio vem sendo descritos, o que a torna uma alternativa promissora para processos de biorremediação. Entretanto em E. coli esta abordagem ainda é muito recente.15,16
Há evidências de que todas as plantas contêm naturalmente quantidades traços de mercúrio, mesmo porque o mesmo ocorre naturalmente nos solos. Entretanto, essa quantidade de mercúrio encontrada nos tecidos das plantas pode sofrer modificações por conta de ação antropogênica.17,5
As plantas medicinais desempenham um importante papel para medicina moderna, uma vez que através destas, pode-se fornecer fármacos extremamente úteis, os quais dificilmente seriam obtidos via síntese química. Os estudos com plantas medicinais têm sido responsáveis por inúmeras e importantes descobertas. Estas plantas não devem ser consideradas apenas como matéria-prima, mas também como um ponto de partida para a descoberta de novas moléculas, como um recurso natural potencialmente ativo.18
A espécie Duguetia furfuracea (A. St.-Hil.) pertence a família Annonaceae e é popularmente conhecida como araticum-do-campo, araticum-do-cerrado, araticum-bravo, ata-brava e ata de lobo.19 Na medicina popular, várias partes da planta são utilizadas como anti-reumática, calmante, cicatrizante de feridas, no tratamento de dores nos rins e coluna,20 contra pediculose,21 problemas menstruais e distúrbios gastrointestinais como diarréia e dores no estômago.22,23
Este trabalho teve como objetivo avaliar o potencial citoprotetor do extrato etanólico e frações de D. furfuracea frente ao cloreto de mercúrio (HgCl2).
MÉTODOS
Material bacteriano
As cepas bacterianas utilizadas foram linhagem padrão espécie Escherichia coli ATCC11105. As cepas foram mantidas em slants com Heart Infusion Agar (HIA, Difco laboratorises Ltda.). Antes do ensaio, as células foram cultivadas por 24 h em Infusão Cérebro Coração (BHI, Difco Laboratories Ltda.).
Material vegetal
As folhas de D. furfuracea foram coletadas no mês de Junho de 2010, no Sítio Barreiro Grande localizado no município de Crato-CE, em área de Cerrado da Chapada do Araripe. O material vegetal foi identificado pela Profa. Dra. Maria Arlene Pessoa da Silva e uma exsicata depositada no Herbário Caririense Dárdano de Andrade-Lima (HCDAL) do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Regional do Cariri (URCA), sob registro nº 5508.
Preparação do extrato bruto e frações
O extrato etanólico foi preparado a partir das folhas frescas de D. furfuracea (EEDF) (637 g) que permaneceram submersas em etanol por 72 horas, sendo após esse período filtrado e concentrado em aparelho evaporador rotatório a 80 ºC sob pressão reduzida, obtendo-se rendimento de 5,2 % de extrato bruto. Realizou-se o fracionamento do extrato etanólico (10 g) sob filtração a vácuo, utilizando três solventes (de acordo com escala de polaridade): hexano (HFEEDF), acetato de etila (AEEEDF) e metanol (MEEEDF), obtendo-se respectivamente os seguintes rendimentos: 0,2 %, 0,5 % e 1,2 %. As soluções utilizadas nos testes foram preparadas sob uma concentração de 10 mg/mL, dissolvidas em DMSO e em seguida diluída com água destilada para uma concentração de 1,024 µg/mL.
Prospecção fitoquímica
A prospecção fitoquímica do extrato etanólico das folhas de D. furfuracea foi realizada seguindo a metodologia de Matos,24 onde para se identificar as classes de metabólitos secundários observamos a alteração de cor ou formação de precipitados após adição de reagentes específicos.
Teste de atividade antibacteriana e modulação dos metais
De acordo com Coutinho e colaboradores,25 modificado, as concentrações inibitórias mínimas (CIM) do Extrato Etanólico das folhas de D. furfuracea (EEDF) e frações, foram determinados pelo ensaio de microdiluição usando suspensões de 10 5 UFC/mL em solução salina e produtos na concentração inicial de 1.024µg/mL. A CIM foi definida como a concentração mais baixa à qual não foi observado crescimento. Para a avaliação do efeito protetor EEDF e das frações ao metal pesado, foi realizada uma modulação utilizando concentrações sub-inibitórias dos produtos, suspensões de 105 UFC/mL de E. coli ATTC 11105 em meio M9 Tris com 2 % de glicose e uma de concentração do Cloreto de Mercúrio variando de 10 mM a 0,0048 mM. As placas de microdiluição foram incubadas por 48 h a 37 ºC. A concentração bactericida mínima (CBM) foi determinada como a menor concentração capaz de inibir o crescimento dos microrganismos, utilizando placas de Petri com HIA para transferência das soluções incubadas em placas de microdiluição. Cada produto natural foi avaliado em relação ao experimento controle com apenas o metal pesado. As placas foram incubadas numa estufa a aproximadamente 37 ºC e a leitura realizada após 24 horas da incubação.
RESULTADOS
A análise fitoquímica das folhas de D. furfuracea, permitiu identificar a presença de taninos condensados, chalconas, auronas, catequinas, flavononas e alcaloides (tabela).
Os resultados apresentados da CIM para todas as amostras foram ≥ 1,024 µg/mL, valor este que não demonstra relevância clínica. Entretanto, na CBM os resultados demonstram que tanto o extrato etanólico quanto as frações acetato de etila e metanólica apresentaram uma atividade citoprotetora nas concentrações analisadas, visto que a bactéria na presença dos produtos precisaria de uma concentração mais elevada do cloreto de mercúrio para que ocorresse a morte dos mesmos. Já a fração hexânica não apresentou tal efeito, pois na presença do produto natural seu CBM foi reduzido (figura).
DISCUSSÃO
Para sobreviverem em ambientes contaminados com metais, as plantas são capazes de desenvolver mecanismos de regulação, de acordo com sua capacidade de tolerância.26 Estas diferem na sua habilidade em retirar, acumular e tolerar metais pesados, podendo ocorrer diferenças relevantes entre as espécies, entre variedades de uma mesma espécie e também entre tecidos da mesma planta.26,27
A tolerância intracelular é um dos mecanismos utilizados pelas plantas quando estas querem induzir compostos quelantes no metal. Os metais podem ser acumulados tanto na parede, como no citoplasma ou em vacúolos das células.28 Vários estudos relatam que a quelação intracelular é potencialmente um mecanismo de detoxicação e tolerância, ao excesso de metais, utilizado pelas plantas em resposta ao estresse nutricional.29
A diversidade de plantas medicinais utilizadas no Brasil como uma forma de alternativa no tratamento de doenças tem estimulado o estudo para isolamento de seus princípios ativos. Várias plantas possuem atividade antibacteriana e antifúngica comprovadas, resultado de compostos de metabolismo secundário (terpenóides) e compostos fenólicos.30,31 Compostos fitoquímicos que apresentam em sua estrutura um anel aromático com uma ou mais hidroxilas são denominados de compostos fenólicos e, geralmente apresentam propriedade antioxidante.32
Os flavonoides atuam como antioxidantes primários reagindo com os radicais livres, e também como quelantes de metais. Flavonas e flavonóis são as duas principais classes de flavonoides encontradas universalmente na natureza.33 Pelos resultados encontrados no estudo, as classes de substâncias revelaram que taninos, flavonoides e alcaloides estão presentes nas folhas de D. furfuracea.
Estudos realizados por Behling e colaboradores34 demonstraram que a atividade antioxidante de flavonoides, é devido às propriedades quelantes dos mesmos. Os compostos fenólicos podem ser largamente complexados aos metais.35 A quelação poderá manter o metal em solução, favorecer o transporte ou torná-lo indisponível pela precipitação e envelhecimento do complexo formado.36 Este efeito possivelmente explica a ação citoprotetora do extrato e frações de D. furfuracea frente ao cloreto de mercúrio, já que a prospecção fitoquímica demonstrou a presença de flavonoides.
De acordo com os resultados obtidos, o extrato etanólico e as frações de D. furfuracea, exceto a fração hexânica, apresentaram atividade citoprotetora à bactéria E. coli frente ao metal pesado cloreto de mercúrio. Os dados obtidos indicam a espécie D. furfuracea como uma fonte promissora no combate a metais pesados, apresentando-se como protetora de seres procariontes. Este é o primeiro relato do uso de plantas medicinais como agente citoprotetor em modelo bacteriano.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a CAPES, CNPq e FUNCAP, pelo suporte financeiro.
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Recibido: 28 de
junio de 2013.
Aprobado:
5 de abril de 2014.
Dr. Henrique
Douglas Melo Coutinho. Laboratório
de Microbiologia e Biologia Molecular, Departamento de Química Biológica,
Universidade Regional do Cariri – URCA, Crato-CE, Brasil. Rua Cel. Antonio
Luis 1161, Pimenta, 63105-000. Fone: +55(88)31021212; Fax +55(88) 31021291.
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